Naquele tempo estava Jesus na margem do Lago de Genesaré a falar com os seus discípulos e foi-se juntando mais gente ao seu redor para ouvi-Lo.

Este episódio faz-me lembrar uma ocasião em que S. Josemaria foi de surpresa a Salto di Fondi, nas margens do Tirreno. Nós, que estávamos no pinhal, a estudar, vimo-lo caminhar pela praia, com dois rapazes também da Obra. Daí a pouco estava cercado por todos nós. Sentado na areia, olhava para o mar em silêncio. Não me lembro de nenhuma outra ocasião em que não estivesse a falar connosco ou a ouvir-nos. E, por fim, disse: «Não me canso de ver o mar!» Mas logo começou a conversar connosco, com a mesma simplicidade com que Jesus falaria com os seus discípulos.

 

Imagino que, à medida que se juntava mais gente, Nosso Senhor iria levantando a voz para a multidão dos ouvintes que não queriam perder uma palavra sua.

Havia ali dois barcos. Jesus subiu para um que pertencia a Pedro. Também nós devemos estar disponíveis para que o Senhor entre na nossa vida sem nos pedir licença, porque somos todos d’Ele. E pediu a Pedro que afastasse o barco um pouco da praia. Pronto: estava montado um anfiteatro improvisado. Mesmo sentado, todos na praia O viam e ouviam, sem um murmúrio sequer do lago tranquilo.

- Estais a ver?, costumava comentar S. Josemaria. Qualquer sítio é bom para falar de Deus.

E «um pouco afastados»: que quer dizer? (não estou a citar as palavras exactas do nosso Fundador) Quer dizer metidos em Deus, com a nossa vida interior, a sós com Ele. Para quê? Para nos separarmos dos outros? Não. Para não sermos apenas mais um no meio da multidão. E para vermos bem os outros que nos rodeiam. Cada um deles. Para os vermos com os olhos de Deus, com amor e compreensão, como Jesus. Para lhes falarmos de Cristo e fazer-lhes descobrir a sorte que tiveram: são filhos de Deus!

Disso nos fala S. Paulo na Carta aos Romanos que acabámos de ouvir: pelo Baptismo recebemos «um Espírito de adopção, pelo qual exclamamos: “Abba, Pai”», isto é, pelo qual podemos tratar com Deus com o maior respeito e a máxima confiança, com a intimidade de um filho, que se sabe sempre querido, apesar de todas as suas fraquezas. O que é o espírito do Opus Dei? E o nosso Fundador respondia: «É o espírito de filiação com todas as suas consequências!»

E por fim Nosso Senhor diz a Pedro: «Faz-te ao largo! Duc in altum! Mar adentro! E lançai as redes para pescar».

Ultimamente tenho reparado que foi isso a primeira coisa me entusiasmou no Opus Dei: és pescador e queres ser santo? És pescador e queres fazer apostolado? Continua a pescar! Queres ser santo e ser advogado, ou ser médico, ou gestor, ou qualquer outra coisa? Não precisas de deixar a tua profissão. Pelo contrário: talvez o Senhor te peça isso alguma vez, é verdade (como depois me pediu para ser sacerdote), mas Ele também teve uma profissão e uma família para cuidar, e nada disso foi obstáculo para nos redimir. És pescador? Então pesca, não te canses de pescar; faz-te ao largo! Trabalha no teu ofício mais e melhor! Esse é o teu principal serviço ao próximo e a ocasião de criar e cultivar amizades – com os teus colegas, sócios, clientes, concorrentes, fregueses, companheiros de viagem, patrões, empregados, fornecedores, etc., etc., etc. Com quem te cruzes na vida, desde os teus familiares ao turista de passagem.

«Faz-te ao largo, e lançai as redes!» E os Apóstolos obedeceram, apesar de não ser a melhor altura de apanhar peixes. E que pescaria fizeram! Também o Senhor abençoa o teu trabalho e o torna fecundo para ti e para todas as almas, quando procuras fazê-lo bem e por amor de Deus.

Pedro não cabia em si de assombro: - «Senhor, afasta-Te de mim, que não passo de um pobre pecador!» É verdade: como dizia de si mesmo S. Josemaria: Não valho nada, não presto para nada, sou – o nada! É verdade: por nós mesmos, não valemos nada, mas o Senhor quer servir-se de nós para fazer algumas das suas. E há tanto que fazer pelos nossos irmãos! Não vedes como até muitos cristãos andam tão cegos? E vivem como pagãos?

Crêem em Deus, são baptizados, acreditam nos Sacramentos, são capazes de rezar até e de ir a pé a Fátima, mas, em geral, a sua maior ambição é o dinheiro, a saúde, o emprego dos filhos, a televisão e o futebol. Para isso é que vivem. Como se explica que um país católico seja regido por tantas leis absurdas, que vão contra as leis de Deus? Porque muitos cristãos votam apenas em quem lhes der mais dinheiro; querem lá saber se esses políticos fomentam o aborto, a prostituição ou o materialismo no ensino! Há tantos cristãos que nunca leram sequer os Evangelhos, que não se arrependem dos pecados, não se confessam, não pensam no céu nem no inferno, não aceitam as leis da Igreja, assistem a qualquer espectáculo indecente, não perdoam a quem os incomoda, criticam toda a gente, suspeitam o mal de todos… E quanto à Eucaristia, a maior parte nem à Missa dominical vai; só nos funerais e nos casamentos; eles, aborrecidos, à espera dos comes-e-bebes, e elas meio despidas…

Realmente, se o mundo anda tão mal, é por nossa culpa, meus irmãos! «Vós sois a luz do mundo, o sal da terra (…), mas se o sal perde sabor, para que serve?» Para que serve um cristão que não é cristão? Para que serve um cristão que só é cristão, quando muito, uma hora por semana, ao Domingo, e todo o resto do tempo é um pagão? «Só serve para ser pisado pelos homens e deitado ao fogo», responde-nos Cristo. Não serve sequer para dar paz ao mundo, quanto mais para o iluminar com a fé!

S. Josemaria recebeu de Deus uma mensagem muito simples e muito clara: todo o cristão deve ter como primeiro e principal objectivo ser santo. Com fraquezas, decerto, com tentações (também Jesus as teve), mas com empenho em levantar-se quanto antes e recomeçar a toda a hora, como um atleta, que às vezes está em boa forma, noutras menos, mas volta aos exercícios. Como um soldado, que pode ter sido ferido e até derrotado, mas se ergue de novo e não desiste da luta, porque está em jogo a sua vida e a vida da sua Pátria. Está em jogo a nossa vida eterna, e só temos uma vida para vencer. E está em jogo a vida eterna de muitas almas que dependem de nós. Desistir é atraiçoar. Enquanto lutas és sal e luz.

Sabeis o que queria dizer Jesus quando dizia «mas se o sal perde o sabor…»? O sal que lá usavam era o sal recolhido do Mar Morto e metido em saquinhos, e que vinha sempre misturado com areia. Para salgar a sopa metiam o saco de sal na panela durante algum tempo; e, a certa altura, já só tinha areia. O saco do sal já não servia para nada; deitava-se fora. Ora aí está: também nós somos sal, mas misturado com a areia das nossas fraquezas. Se perdemos a graça de Deus e se não nos esforçamos por melhorar, somos só areia; não somos sal de Cristo.

No «Caminho», S. Josemaria diz que a nossa vida espiritual consiste sempre em começar e recomeçar. E não é assim a nossa vida toda? Não nos levantamos todas as manhãs? Não voltamos ao trabalho todos os dias? Quando há amor, essa repetição não é rotina; é ordem, que faz render o trabalho e consolidar a família. Mas tudo isto seja com alegria, porque estamos do lado do Vencedor, que é Cristo. Não para vencer ninguém, mas vencer-nos a nós mesmos, para tornar vitoriosos muitos outros connosco. – «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens», garantiu Nosso Senhor aos Apóstolos timoratos.

E como se pescam os homens? S. Josemaria, no «Caminho», diz que os homens se pescam como os peixes: pela cabeça. Quer dizer, pela inteligência, pelo conhecimento de Deus, que todos nos lhes devemos transmitir. Mas para isso temos nós de conhecê-Lo primeiro, pela meditação dos Evangelhos, pela doutrina que nos dá a Igreja, pela oração, pelo cumprimento dos seus mandamentos, o primeiro dos quais é o da caridade, do amor, do perdão, da misericórdia, da amizade. Se és amigo, todos gostam de ouvir-te, mesmo que ao princípio não concordem; se não és amigo, ninguém te quer ouvir, mesmo que digas coisas muito certas.

Quantas vezes nos tem dito isso o Santo Padre! Temos de ser amáveis, amigos sinceros daqueles com quem lidamos. Mas como posso eu ser amigo de quem me quer mal ou, pelo menos, não gosta de mim? Ora essa! Como Deus é nosso amigo, ainda antes de nós o sermos d’Ele; como um irmão é amigo do seu irmão, apesar do outro andar arredio… Eu posso ser amigo de quem quiser, mesmo que o outro não queira ser amigo meu.

Por isso, ouçamos o que nos diz hoje Nosso Senhor: Não temas. Não penses que não serves para ser seu apóstolo. Se és amigo dos outros, com a graça de Deus, e, até sem reparar nisso, já terás levado e hás-de levar muitas almas a Cristo, como os Apóstolos puseram os peixes a seus pés.

Reparai em Nossa Senhora: mal chegou a Ain-Karim e saudou Isabel, parece que o sol entrou naquela casa, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Bastou-lhe ouvir a linda voz de Maria e sentir a sua imensa felicidade. Também nós não precisamos de dizer muitas palavras para chamar os outros a Cristo: basta sermos amigos e alegres, que acabam por nos invejarem e quererem saber a causa da nossa alegria. Depois, é só explicar-lhes: é o Evangelli gaudium, a alegria do Evangelho.